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Pedágio urbano e qualidade de vida: uma ponte entre Nova York e o Brasil

Na primeira semana do ano, Nova York tornou-se a primeira cidade dos Estados Unidos a implementar o pedágio urbano, uma medida que visa desestimular o uso de veículos automotores em sua região central. Esse marco é carregado de simbolismo. Em um país que historicamente promoveu a cultura do carro, a cidade adota uma política urbana que desafia esse paradigma, alinhada a um modelo de mobilidade eficiente e que promove mais qualidade de vida.

Com essa iniciativa, Nova York não só busca a melhoria da qualidade do ar e a redução do congestionamento, mas também se posiciona como uma referência para outras grandes cidades ao redor do mundo, incluindo o Brasil, que já observa de perto os efeitos dessa mudança no tráfego e no bem-estar dos cidadãos.

Ao pensarmos em Nova York, é quase automático associá-la à riqueza e ao status. Com um PIB superior a 2 trilhões de dólares (2023), é o maior centro financeiro global, abrigando as principais bolsas de valores (Wall Street e Nasdaq) e sedes de muitas multinacionais e marcas famosas. Ao mesmo tempo, a cidade contrasta com outras metrópoles americanas ao adotar uma infraestrutura que privilegia deslocamentos sustentáveis. Embora o carro ainda seja associado ao status social e ao consumismo, a maioria dos deslocamentos de até 7 km são mais práticos e eficientes quando realizados de transporte público, bicicleta ou a pé. Nova York se destaca como uma cidade altamente caminhável, ciclável e equipada com uma das mais amplas redes de transporte público do mundo.

Além disso, sua infraestrutura urbana é marcada pelas fachadas ativas — edifícios que interagem diretamente com o espaço público — oferecendo serviços e comércios ao longo de centenas de quilômetros de calçadas, gerando vitalidade, segurança e atratividade para os pedestres. Ao incentivar deslocamentos a pé, de bicicleta ou por transporte coletivo, a cidade ganha em qualidade de vida e dinamismo. Jane Jacobs, ferrenha defensora da cidade em escala humana, em seu livro Morte e Vida das Grandes Cidades Norte-Americanas, capturou a essência desse fenômeno ao defender a importância de ruas vibrantes para a saúde urbana.

“Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecerem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecerem monótonas, a cidade parecerá monótona.” — Jane Jacobs.

Inspirada por essa visão, Jane Jacobs se tornou uma figura central no movimento de resistência contra a construção de vias expressas que cortariam bairros de Nova York de leste a oeste. Em vez de acreditar que essas rodovias resolveriam o problema do trânsito, ela defendia que, na realidade, elas deterioraram bairros vibrantes, deslocaram moradores e comerciantes e ampliaram a segregação social. Hoje, sabemos que ela estava absolutamente certa.

O Pedágio Urbano: Uma Mudança Necessária

A decisão de implementar o pedágio urbano em Nova York é o resultado de anos de debates intensos. Além de desestimular o uso de automóveis, a receita gerada com a medida — que deverá atingir bilhões de dólares anualmente — será direcionada para investimentos significativos na rede de metrô. Entre as melhorias previstas, destaca-se a transformação de todas as estações em acessíveis para pessoas com deficiência (PCDs), garantindo maior inclusão e equidade no transporte público. Essa iniciativa visa não apenas aprimorar a mobilidade urbana, mas também fortalecer a infraestrutura de transporte coletivo, tornando-a mais eficiente e acessível para todos os nova-iorquinos. A Autoridade Metropolitana de Transportes (MTA) estima uma redução de 17% no fluxo de veículos na região central, aliviando um congestionamento que custa anualmente 20 bilhões de dólares à cidade em “perda de tempo e produtividade”.

Os benefícios do pedágio urbano vão além da economia. Estudos recentes revelam uma forte correlação entre a segurança e a mobilidade urbana na cidade. De acordo com um artigo da Bloomberg, os nova-iorquinos têm um terço menos chance de morrer em acidentes de transporte terrestre em comparação com os moradores de outras cidades dos Estados Unidos. Esse dado surpreendente é explicado pela combinação de fatores como limites de velocidade rigorosos, a alta densidade de pedestres e ciclistas e o uso intensivo de transporte coletivo. O artigo enfatiza que a vantagem de segurança de Nova York está relacionada não apenas à redução da criminalidade, mas, de forma significativa, à maneira como os carros são integrados ao espaço urbano. A infraestrutura da cidade prioriza a convivência segura entre veículos, pedestres e ciclistas, um modelo que se reflete em um trânsito mais calmo e menos fatalidade nas ruas. Essa abordagem, mais focada na segurança dos usuários do que na mera fluidez do tráfego, coloca a cidade em um patamar único em termos de qualidade de vida e segurança no trânsito.

Lições para e do Brasil

As cidades brasileiras enfrentam desafios comuns, como congestionamentos, poluição e acidentes de trânsito. Em São Paulo, a dependência do automóvel é incentivada por políticas públicas que favorecem o transporte individual. A recente introdução das faixas azuis para motos, com eficácia limitada na redução de acidentes, é um exemplo disso. Além disso, a Prefeitura aumentou a tarifa dos ônibus em 13,6%, apesar dos problemas no sistema de transporte: 1.500 veículos com idade acima da permitida, queda de 16,25% na velocidade média e redução de 20% no número de passageiros desde a pandemia. A falta de faixas exclusivas agrava a situação, e a falta de transparência na decisão sobre o reajuste mostra um descompasso com as necessidades da mobilidade urbana.

Já cidades como Fortaleza se destacam entre as capitais do Brasil, trazendo políticas públicas robustas no campo da mobilidade ativa. A cidade tem se destacado com diversas iniciativas voltadas para o incentivo ao uso da bicicleta, como, por exemplo, a malha cicloviária, que conta atualmente com mais de 400 km de extensão, proporcionando uma infraestrutura segura e eficiente para os ciclistas. Além disso, Fortaleza investiu na implementação do Painel de Dados do Ciclista, uma ferramenta digital que coleta e analisa informações sobre o uso das ciclovias, ajudando a melhorar a gestão e planejamento da mobilidade urbana. Essas iniciativas, reconhecidas internacionalmente, mostraram impactos positivos não apenas na segurança viária, mas também na qualidade de vida dos cidadãos e na sustentabilidade urbana.

Fortaleza também se consolidou como um centro de debate sobre a mobilidade ativa ao ser sede de dois grandes eventos internacionais sobre o tema. Nessas ocasiões, a cidade recebeu especialistas, gestores públicos e representantes de cidades e instituições do Brasil e do mundo para discutir o futuro da mobilidade ativa. Esses encontros reforçam o compromisso de Fortaleza em se tornar uma referência global em práticas sustentáveis e inovadoras de mobilidade urbana.

Além das ações já mencionadas, Fortaleza tem contado com o apoio consultivo do Instituto Aromeiazero para implementar duas de suas iniciativas: a campanha ativa que auxilia síndicos e síndicas na liberação de espaços em condomínios residenciais ocupados por bicicletas abandonadas e o “Dando Grau”, uma formação focada em capacitar pessoas que buscam impulsionar o empreendedorismo com bicicleta. Esses projetos estão diretamente ligados à constituição do GRAU Fortaleza (Galeria de Recondicionamento e Aprendizagem Urbana de Bicicletas), que visa a integração de políticas públicas voltadas para a mobilidade ativa e a promoção de um ambiente urbano mais inclusivo e sustentável.

A experiência de Nova York mostra que mudar esse cenário é possível. Medidas como a criação de zonas de pedágio urbano, a ampliação das redes de transporte coletivo e a promoção de modos sustentáveis de deslocamento podem transformar nossas cidades em espaços mais humanos e seguros e mostram outras formas de gerar receita sem onerar o usuário do transporte coletivo. E pelos resultados apresentados aqui a cidade de Nova Iorque deveria definitivamente fazer mais para tirar partido dos notáveis ​​benefícios de segurança e qualidade de vida de não depender e incentivar o uso dos carros.  

Por outro lado, o mundo e outras cidades do Brasil podem aprender com iniciativas brasileiras. Programas como os de Fortaleza que já receberam prêmios e destaques globais são políticas que servem para inspiração e replicação em diversos contextos.

Por Cadu Ronca, 

Especialista em Gestão de Sustentabilidade e Negócios Socioambientais e atual Diretor do Instituto Aromeiazero

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