Neste início de junho, celebramos duas datas que se complementam: o Dia Mundial da Bicicleta (3/6) e o Dia Mundial do Meio Ambiente (5/6). Não é coincidência a ONU ter colocado essas celebrações lado a lado. Afinal, a bicicleta vai muito além de um meio de transporte, ela é um símbolo potente de transformação social, ambiental e urbana. Uma ferramenta acessível que conecta pessoas, espaços e natureza, capaz de impulsionar a regeneração das cidades onde vivemos.
Essa conexão está no coração de um movimento global, como a Década da Restauração dos Ecossistemas (2021–2030), que nos convida a cuidar dos sistemas naturais e urbanos, dos quais dependemos. Restaurar as cidades é devolver saúde, dignidade e vida para as pessoas, cuidando do ar, do verde, da água, mas também das ruas, dos bairros e da forma como nos movimentamos.
Na natureza, temos exemplos claros de como restaurar um elo perdido pode transformar o todo. No Yellowstone National Park, a reintrodução dos lobos restabeleceu o equilíbrio do ecossistema: a vegetação voltou a crescer, novas espécies surgiram e até os rios se estabilizaram. No Brasil, histórias como a recuperação da Floresta da Tijuca e o Projeto Refauna confirmam que é possível reparar e reconectar nossos ecossistemas.
E nas cidades, onde mais da metade da população mundial já vive, e esse número cresce a cada dia, a transformação também é urgente e possível. Somos animais urbanos, e aqui é que a bicicleta mostra seu papel transformador como um “predador simbólico” do excesso de carros. Ela desencadeia uma cascata de benefícios que ultrapassa o transporte: menos acidentes, ar mais limpo, ruas mais calmas, mais verde e espaços públicos vivos para as pessoas.
Essa mudança não é só idealismo: pesquisas mostram que a implantação de ciclovias protege ciclistas e reduz acidentes para todos. Em São Paulo, a expansão da malha cicloviária trouxe queda significativa nos sinistros envolvendo todos os modais (Fonte: CET/SP, 2019). E os ganhos vão além da segurança: cidades que investem em mobilidade ativa também colhem frutos em saúde, economia local, equidade social e justiça ambiental.
Quando a mobilidade ativa é integrada ao transporte público, os benefícios se ampliam ainda mais. Essa combinação garante deslocamentos dignos para populações periféricas, reduz emissões de carbono e a dependência de combustíveis fósseis — um passo essencial no combate à crise climática. É por isso que organizações globais, como a Partnership for Active Travel and Health (PATH), da qual o Instituto Aromeiazero faz parte, exigem que governos priorizem a caminhada e o uso da bicicleta em suas metas climáticas, podendo cortar até 50% das emissões do transporte até 2030.
Além da crise climática, há uma urgência ainda mais imediata: preservar vidas. Fortaleza, referência nacional, reduziu em quase 60% as mortes no trânsito entre 2014 e 2022, resultado direto da expansão da malha cicloviária, redução de velocidades e políticas públicas focadas na segurança de pedestres e ciclistas.
A Organização Mundial da Saúde alerta que mais da metade das vítimas fatais do trânsito são usuários vulneráveis e reforça a necessidade de priorizar políticas que protejam quem anda a pé e de bicicleta. Assim como os cervos evitaram os vales com o retorno dos lobos, motoristas em cidades que priorizam pessoas ajustam seu comportamento ou mudam de modal. Isso cria espaços mais seguros e acolhedores, onde a vitalidade urbana supera o trânsito caótico.
Em 2024, a ONU reforçou essa visão com a resolução “Harmonia com a Natureza”, chamando a alinhar nossas ações aos ciclos do planeta. Isso está no centro das políticas centradas nas pessoas: modos de viver e se mover que respeitam o corpo, o tempo, o outro e o lugar, promovendo regeneração ambiental, social e simbólica.
Os lobos, antes vistos como ameaça, mostraram-se essenciais para a saúde dos ecossistemas. Nas cidades, ciclistas e pedestres, apesar de ainda serem vistos como “obstáculos”, são fundamentais para a resiliência urbana.
Ao celebrarmos o Dia Mundial da Bicicleta e do Meio Ambiente, somos convidados a ver que pedalar é muito mais do que lazer ou transporte — é um ato político e ecológico. É afirmar que a cidade deve servir à vida e que ela é um organismo vivo.
Cidades que apostam na mobilidade ativa também despertam para o verde urbano. Ao sair da “lataria” dos carros, nosso corpo sente o espaço e pede sombra, conforto e qualidade. Paris e Medellín são exemplos que mostram como ciclovias, pedestres valorizados, restrição ao carro e reflorestamento urbano diminuem poluição e calor, mesmo em áreas densas.
Assim como a reintrodução da fauna e flora regenera ecossistemas naturais, priorizar bicicletas e pessoas pode restaurar o ecossistema urbano. Intervir nos elos mais frágeis transforma todo o sistema. Não é sobre idolatrar um modal, mas sobre colocar as pessoas no centro das decisões urbanas.
Neste junho, ao nos inspirarmos na natureza para celebrar e construir cidades vivas, saudáveis e humanas, cada pedalada, cada passo e cada gesto de cuidado ajuda a construir o futuro que queremos. Para o Instituto Aromeiazero, essa celebração dialoga diretamente com nossa atuação, especialmente o projeto Bike Arte, que ocupa espaços públicos periféricos com cultura e bicicleta, potencializando pessoas e territórios.
Essa iniciativa global nos lembra: não basta mitigar danos, precisamos restaurar o que foi perdido. E isso se conecta profundamente com os compromissos do Brasil na Agenda 2030: Saúde e Bem-Estar, Cidades Sustentáveis, Ação Climática e Vida Terrestre, onde a promoção da bicicleta e a conservação ambiental são pilares para avançar.